Presente mais que perfeito
São inefáveis esses verbos rijos, que não anseiam o amanhã passível de vento e outono, e refugam o ontem em que pesa meu corpo, dualidade em que pendo e oscilo.
Peças e pronomes e personagens perdendo-se em seu plural e em sua conjugação infinita. Eu embeveço-me em todo despertar, eu pulso sem peso, tu desnorteia, ele anseia por nós, e nós, por nossa vez e nosso som, fazemos tanto frio e chovemos, criamos poços, plantamos pedras, choramos, e vós, vós odiais e louvais e aclamais, e eles se desentendem, transam, correm, trovejam, e então eu rimo, enquanto encantoam o canto e não o pranto. E a gente cria, e a gente prima, e haja estima que tudo traga, que nada trague.
Prevalece-me o eu tão óbvio. Presenteio-me de mim mesma, saudável ego. Presencio o elo pudico e navegável das coisas. Desconheço o passo exageradamente certo e embebo em mim o desejo de meu amado, e a sua alma e sua totalidade talvez bela.
Penso no instante, peço a minha idade e o que rompe é minha era. Se eu sou precoce ou o tempo é tirano, já não me importa, que estão sublimados em mim tanta dúvida e tanto medo vão. Então me basta, alegremente, só me encontrar no hoje, meu verdadeiro sempre.
Eu sou poeta e o trivial me mata o ser, e, antes do sono, o sonho me arrebata, e meu corpo, ali, permanecendo, quer alcançar quem sabe a lua, quem sabe o cão cansado pela rua, ou ainda a janela, a lâmpada, a chama, a luz, a divindade tola, o herói, o orgasmo, o afago, o beijo, o tempo.
O tempo, cujo âmago me adianta tanto. Um amontoado, uma constelação contínua que se condensa, e já não barra a glória petrificada do meu verbo, do meu berço, do meu cerne.
Termino aqui a luta hostil travada contra ele. Futuro feito precípite perda, pretérito feito perpétua prisão: prefiro o presente, desde que pleno e intenso para se tornar eterno, perfeito momento.
(25 de fevereiro de 2006)
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