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Tuesday, April 11, 2006





Luto



“(...) a morte, pois, de uma bela mulher é, inquestionavelmente, o tema mais poético do mundo e, igualmente, a boca mais capaz de desenvolver tal tema é a de um amante despojado de seu amor”. (Edgar Allan Poe)


A casa era extensa e se fechara há muitos dias perdidos e noites rangidas, enclausurando aquele homem tal qual um caixão. Suas paredes abafadas e esmagadoras esbofeteavam, incessantes, o corpo de alma machucada que ali se escorava contra a morte e contra o não. Cirozinho: o seu nome de rosto doído e roto. Um diminutivo, um diminuto homem algemado por seu luto sem luta e sua viuvez abrupta.

Quisera morrer fisicamente diante das flores no túmulo de Tânia, mas só conseguira suicidar o próprio espírito, e restar inerte e fúnebre naquela casa lamuriosa. Era dela o corpo esbranquiçado dentro da cova, mas era nele que se decompunha, lívida e vagarosamente, com sabor forte de berro atrofiado.

A cozinha era pequena e não o deixava sair, asfixiado num constante e impetuoso nascer torto de angústia. Baratas e formigas fluíam felizes de tanta destruição e sujeira. Seu conjunto inócuo se arrastando pelo piso frio sem conseguir levantar, alastrando o cheiro azedo impregnado em sua pele. Quisessem restos, pegassem os dele, que virara pura tristeza e podridão. Não levantaria, levassem todas as sobras que ele era.

Ousou tocar o cabelo imundo, e a caspa caiu-lhe sobre as mãos, aos borbotões, assim como as lágrimas sempre incessantes. Aquela mistura asquerosa. Esgotado de gritos, ele agora apenas soluçava e gemia.

Ai! Ai dos seus olhos agora miúdos, diminuindo com a lástima e a miséria, cansando e doendo sem resposta. Ai do seu nariz curvo como pergunta, erguendo-se para o teto pensando ser céu, buscando nenhuma oração, ardendo de toda invencível desgraça. Ai, maldito Poe, arrancasse dele o corvo agourento que insistia em lhe bicar e ecoar toda a perda de Tânia; quem sabe, assim, o pobre pudesse dormir ao menos uma noite de paz!

Nada de preto no traje, que na escuridão ele já se transformara, e ela se agarrara feito musgo até em seus músculos. O ponto mais intrínseco de sua alma vestia era um verde muito estático, pasmo de qualquer reação.

Comessem com urgência os seus restos e o seu rosto, pois ele mais nada queria sem ela. Sobrava como um homem esquartejado, de entranhas putrefatas e riso raso de tão vago. Perdido e parco, diante dele somente eco havia: da sua dor, da sua voz rasgando-se em frêmito, toda oca, louca de tudo, rouca de morte.

(10 de abril de 2006)

1 comment:

Nathália Jacob said...

Quem sabe se ela não usar mais gloss?

rs

Mediocre como sempre.
A poetisa de meia tigela pode quem sabe ganhar dinheiro vendendo esse lixo infértil para uma dupla sertaneja.